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Um homem cheio de pressupostos

  • Foto do escritor: André Luis Mazzoli
    André Luis Mazzoli
  • 16 de jul. de 2020
  • 2 min de leitura

Meu pai nunca se esforçou para disfarçar a preferência por mim entre eu e minha irmã. Não posso dizer que ele foi um bom pai. Na verdade, passei muito tempo acreditando que sua falha como pai, foi meu erro como filho: Omissão. Eu também nunca disfarcei minha preferência por minha mãe. É claro que nunca disse nada a ele. Mas ele sabia.

Costumávamos sair, e eu ficava bastante na casa dele. Mas nunca fomos muito de conversar. Ele me ensinou coisas que me recordo ainda hoje. Tais como, “o objetivo do jogo de sinuca não é matar todas as suas bolas, mas fazer com que os outros as mate pra você”; ou “sempre comece um jogo da velha pelo meio ou pelas extremidades”. Lembro-me de uma tarde, ao qual não me recordo o teor da conversa, mas meu pai me deu um espólio que se eu tivesse opção de recusar nunca teria ouvido: “A piedade é algo que cabe somente aos fracos”. Consigo ouvir até a voz dele, ou ver os trejeitos que fazia quando estava exasperado com algo. É algo que tenho dele tão concreto quanto os mausoléus em ruínas que, ao morrer, ele deixou para que eu administrasse.

Mas nem sempre foram coisas tão fúteis. Meu pai adorava números. Comumente ele comprava resmas de papel para fazer contas que eu não fazia a ínfima ideia pra que serviam. Ele vestia a camisa de contador sem um diploma para pendurar na parede. Ou seja, foda-se se “displicente” deve ser escrito com SS ou não. O importante mesmo é que a conta deve estar correta no final do cálculo. Minhas outras matérias poderiam estar vermelhas no boletim. Mas a matemática tinha que estar intacta e impecável. Não somente azuis como dignificantes. Havia noites que virávamos estudando tabuada. Eu fazia o possível pra chegar a casa com avaliações que pudessem ser penduradas na geladeira. Não por medo dele. Mas porque eu esperava dele algo do tipo “estou muito orgulhoso de você”. E eu ainda hoje espero.

E, por mais que eu tenha me esquivado da matemática, e corrido, ofegante, de uma bola de pedra gigante, como Indiana Jones, não me adiantou de nada. Meu pai dizia que eu deveria dominar as operações mais simples da matemática, pois elas fariam parte de cada pormenor de minha vida. Ele não deixou de estar certo. E cada vez que me deparo com um cálculo, operação lógica, ou programação que não consigo resolver, idealizo a mão pesada dele batendo na minha cabeça. “Você está realmente prestando atenção, rapaz?”

Quer saber se sinto falta do meu pai? Não mais! Sofri durante muito tempo a ausência dele e aceitava as pessoas que preenchiam o buraco que ele deixou tanto em vida como em sua morte. Mascarando um sofrimento que ponderava não ser meu. Muita coisa não foi dita. Tanto por mim, como acredito que antes de partir ele

queria ter me dividido algumas outras palavras. Aprendi a me perdoar pela minha omissão como filho. Mas toda essa soberba que por vezes vem me falar ao ouvido, ainda não me permitiu perdoá-lo. Não pelos tapas e pelas cobranças gratuitas. Mas por não estar presente. E gerar em mim um sentimento de abandono.

E descobri a importância de substituir o homem que não tinha mais um pai, por um pai que tinha duas filhas.

 
 
 

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