A sala branca
- André Luis Mazzoli
- 15 de dez. de 2020
- 3 min de leitura
Já pensou em quantas possibilidades de sentimentos coexistem dentro de nós? Raiva, hostilidade, tristeza, medo, frustração, alegria, afeto, entre incontáveis outros. Sentimentos que somam, se sobressaem, nos expõe ou nos inibi. Mas, o ser humano é relativo. Todo o benquerer que tenho por filmes de suspense pode ser enfadonho para tantos outros. E nem por isso me sinto contrariado ou criticado. Não eu. Mas e você? O que te faz perder as estribeiras e subir no caixote?
Não é porque não me ofendo quando diz que o diálogo entre Hannibal Lecter e Clarice Starling não lhe dá frios na espinha, que eu seja um sangue de barata sem qualquer sentimento. Ou que as atitudes alheias não afrontem toda edificação da minha personalidade. Meu transtorno bipolar tipo 2, desventuradamente, concerne-me episódios, já não mais tão frequentes, de sucção ao meu fundo do poço. Todavia, seria ingenuidade minha reiterar que os eventos jamais acontecerão. Eventualmente, para os dias de crise, não é preciso muito para me ditar possibilidades, e eu prontamente as admitir. E neste fundo de poço, como uma areia movediça, quanto mais tento me desvencilhar, mais ínfimas nuances do mundo me empurram para baixo. Às vezes, uma palavra, um gesto, um olhar, um sorriso de deboche, ou simplesmente o mundo esfregando a raba na minha cara, são o bastante. Ao meu ver, até tento não me importar. Todavia, um diabinho do lado da minha cabeça me diz: Por que não se importar? E o anjo do outro lado diz: É, por que não? E quando vejo, já estou submerso pelo sentimento de ofensa, desprezo, cólera e, acima de tudo, prostração.
Quem quer se ver assim? Já não é a primeira vez que digo que uso de anedotas com o mundo para mascarar possíveis tristezas e frustrações. E faço isso com tanta desenvoltura que quando os sinais de um possível episódio de depressão viram a esquina, já não consigo mais evitar sua chegada. Os velhos escudos se fragmentam e as piadas já não funcionam mais. Me deprimo e zelo por aquilo que está me fazendo mal. Como um espólio. Não sei se o que me magoa foi deixado por alguém, acidentalmente ou simplesmente com requintes de crueldade, ou se é coisa da minha cabeça bipolar. Mas está lá. Parece fácil aos olhos alheios. Mas não a mim. Me incomoda e me ofende.
Existe dentro do meu cérebro uma repartição para informações que acontecem em minha vida. Setores que separam minha infância, da minha adolescência e vida adulta. E brevemente, acredito, haverá um novo departamento. Dentro de cada um destes setores existem memórias bases (sim! Como em “Divertidamente”). Tantos essas memórias, como alguns fragmentos de lembranças, conjugam minha personalidade. Justificam interações, opções, interpretações, ações e como meus sentimentos interagem com tudo isso. Mas o que fazer com todo o veneno que consumimos? Toda essa carga de negativismo e putrefação? Como evitar ser norteado pelo ódio quando parece que apenas o ódio lhe faz bem?
Não sei como você chama isso dentro da sua cabeça. Em mim é “sala branca”. Minha inventividade diz que minha sala branca se dá ao final de um extenso corredor com inúmeras outras portas. Corredor claro como as propagandas de sabão em pó. Mas pra que serve? Para jogar tudo aquilo que lhe causa mal. E uma vez estando lá, não há como voltar. Simplesmente obliteramos. Hoje, enquanto estava em oração, fui à porta da sala branca com um revés azul em mãos. Entrei e percebi que as paredes sequer tinham cantos. Sem cadeiras, sofás, tamboretes, ou qualquer lugar para se sentir confortável. Sem mesas, prateleiras ou estantes. Para não me demorar. Sem tapetes ou carpetes. Para evitar de esconder os dejetos intragáveis. E sem ninguém. Porque o que eu carrego pra dentro da sala branca pertence unicamente a mim. Soltei o revés no chão, e ele reagiu com agressividade, mas rapidamente foi neutralizado. E isso era o fim do revés azul.
Ao sair, fechei a porta e a luz de “ocupado” acima do portal se apagou. Dando lugar ao letreiro verde de “sala livre”. E quando olhei para minhas mãos um revés azul. A maldita sala não funciona comigo. Enquanto eu voltava pelo corredor, as luzes das outras portas se apagavam também. Porque elas estão lá unicamente pra que eu não consiga entrar na minha sala branca. E não consiga dar fim aquilo que dá fim a mim.
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