Quando a vida lhe presenteia com um Plot Twist
- André Luis Mazzoli
- 18 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Amo intensamente o que o cinema é capaz de me proporcionar. É capaz de me catapultar do chão. Fazer-me flutuar sem perceber. E me joga pra dentro da história como se eu fizesse parte de tudo aquilo. E não é preciso muito. É fácil. Deixo-me seduzir como um garoto na puberdade dentro da sessão de filmes eróticos de uma vide locadora. Entrego-me, acirro, enterneço, rio, choro, mato. Já fui um mafioso para Martim Scorsese, já matei zumbis de Romero, Hitler e Bill, virei a noite com a trupe de Alex DeLarge, viajei dentro da Enterprise para destruir a Estrela da Morte, ou num DeLorean para viajar no tempo e descobrir onde esconderam o corpo de Jimmy Hoffa, joguei futebol com um cubo de gelo dentro do Titanic, lutei com gladiadores dentro do Coliseu, neguei Cristo três vezes. Fui Ethan Hunt, Forrest Gump, Tyler Durden, Vito Corleone, Bruce Wayne, Stanley Ipkiss, John Wick, Jack Torrance, Willian Wallace, John McClane, Mike Wazowski, e Bond… James Bond. Já disse frases como: “Sempre teremos Paris”, “Hasta la vista baby”, “Eu vejo pessoas mortas”, “Você vai precisar de um barco maior”, “meu precioso”, “Houston, nós temos um problema”, “Olá, Clarice”, “Eu sou seu pai”...
Deixo-me escoltar pela criatividade nas nuanças da paleta de cores, a sutileza e o minimalismo de cada detalhe, principalmente nas palavras que proporcionam seus diálogos. Vivi a vida deles tão descomedidamente que quando os filmes acabavam um pedaço da minha existência estava preso e eternizado a deles, e se acabava também.
Mas sabe o que mais me deslumbra no cinema? Os “Plot Twist”. O próprio nome já diz tudo. É revés que acontecem nas histórias (plot = enredo, twist = revirar ou girar). Porém, não é uma simples reviravolta. É algo que transforma toda a história do filme, carrega-o inteiro nas costas e faz-nos voltar mentalmente nos detalhes pra entender e fazer-nos dizer: Putz, como não percebi isso? Lembro-me com carinho de filmes como “Os suspeitos”, “Clube da luta”, “O grande truque”, “Os infiltrados”, “A ilha do medo”, “Psicose”, “O sexto sentido”, “A chave mestra”, “As duas faces de um crime”, “Identidade”, “os outros”, entre vários outros. Mas é óbvio que não vou mencioná-los seus plot twist para não lhes estragar a experiência..
Anteontem assisti Coringa, um filme de Todd Phillips. Confesso que como nerd e amante de HQs e super-heróis, torci com força o nariz quando fiquei sabendo que o diretor de filmes como a franquia “Se beber não case” e “Borat” abraçaria este projeto. Visto também que tanto a DC como a Marvel vinham de maus resultados de filmes de vilões, com “Esquadrão suicida” (27% Rotten Tomatoes) e “Venom” (29% Rotten Tomatoes). Além de que, pra mim, entre todos vilões de HQs que conheço, o que considero mais completo e complexo é o Coringa. Inicialmente estava cético com essa produção. Quatro outras versões do palhaço já haviam dado ares de suas graças nas telas (César Romero, Jack Nicholson, Heath Ledger, Jared Leto). E todos eles com personalidades totalmente diferentes. Você poderia dizer que todos eles são o Coringa, mas nenhum deles é o mesmo coringa.
Todavia, quando vi Joaquin Phoenix, trazendo seu coringa, com um gênese esmiuçado, em um filme independente do morcego, com uma figura intimista a se tornar o palhaço do crime e quebrando os paradigmas de todos os filmes anteriores, tive que concordar com massa. Claro que também é mérito de Todd Phillips e Scott Silver que assinam o roteiro. Um trabalho redondinho e sem farpas soltas. Simplesmente magnifico.
Voltando ao plot twist, assistindo “Coringa”, estava imerso ao filme e até então conseguia dar-me, no mínimo por satisfeito. Entretanto, na sua segunda metade, Arthur Fleck (Coringa), na tentativa de adaptar-se à sociedade começa apresentar acentuações de suas psicopatias. A HQ “A piada Mortal” de Alan Moore, inspiração para o novo filme, tem objetivo nítido de mostrar uma Gothan decadente e despedaçada, com pessoas sem princípios, onde até mesmo o homem mais estável e equilibrado pode perder as estribeiras. O plot deste filme está no consequente ápice de Arthur não mais controlar sua loucura. Tanto que Todd Phillips dá liberdade àquele que assiste em interpretar até onde vai a imaginação de Arthur. Gosto de pensar que de ponta à ponta.
Ouvi advertências de algumas pessoas para ser prudente na escolha do momento para assistir esse filme (E hoje faço das palavras deles, as minhas). Pois ele traz linguagem obscena, violência gratuita, obscuridade e de más vibrações. Acho até que foi um erro da Warner Bros em colocar a faixa etária de 16 anos pra arrecadar mais. E obviamente o próprio título dos filmes engana os pais. Pois quando leem "Coringa" é difícil não ligar o filme ao Batman. Particularmente, quando assisti ao filme, não sei bem se não senti nada por estar em um dia bom, se estava em mania, ou somente por saber que o filme retratou algo não tão atípico ao mundo em que vivemos. Mas me causa um pouco de medo pelas boas vibrações do filme em mim. Pois consigo enxergar um pouco de Arthur em quem eu sou.
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