O que eu queria estava em mim o tempo todo
- André Luis Mazzoli
- 9 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de nov. de 2020
Sabe quando você passa tanto tempo compenetrado na tristeza que passa acreditar que, mesmo quando ela não existe, aquilo é real? Pois bem, antes mesmo de saber o que realmente era o transtorno afetivo bipolar ou como ele seria instaurado em meus "novos" dias, eu já o odiava com forças que vinham dos fios arrepiados de minha cabeça as rugas de meu esfíncter. Não por isso, deixei de aceitar, de portas abertas, meu diagnóstico, minhas neuras, terapias e medicações. Afinal de contas, essa é minha nova realidade. Chegaram inesperadamente a minha vida como um parente chato sem previsão de ir embora. Estava, agora, descobrindo uma nova versão de mim. Passei por três psicólogos e dois psiquiatras que se pudesse, prazenteiramente , colocaria-os dentro de uma sala sozinhos, com uma faca sobre uma mesa e diria: só um sai vivo (você conseguiria ler isso com a voz do Jigsaw? Ficaria bem legal) Teria que dizer: Hey, se decidam!!! Eles não sabiam ao certo nem que medicamentos eu deveria tomar ou evitar. Mas em algo eles concordavam: escreva.
Óbvio que não são todos dias de flores. Por dias, o jardim, aparentemente, é composto apenas de pragas e chorume. Contudo, eu disse "aparentemente". Sabe o que isso quer dizer? Que há dias em que as flores estão lá. Contudo, nosso cerne está sobre as folhas mortas e no coco das minhocas. "Escoltoma": o cérebro vê aquilo que ele quer que seja visto. Há dias de Jardim florido, com todas seu leque de cores. E há dias de coco de minhoca. Todavia, ambos sempre estão lá.
Muitas pessoas já me disseram: você fica focando nessa prostração, quando pode escolher não ficar mal! E eu pensava: opa! Meus problemas estão resolvidos assim como Jesus transformou água em sangue de boi. Ah, por favor, enfia um peixe no ânus e brinca de Barbie sereia. Poderia por favor me dizer isso no dia em que eu estiver com a cara afundada na bosta do fundo do poço?
Nas terapias, profissionais me indicavam exercícios, medicação, alimentação, fé e mais terapia. Tentei fazer um pouquinho para cada. Colocava meus fones de ouvido e podcasts, que me dizem sandices sem importância, me rendiam 10km de caminhada todos os dias. Oscilei entre oito a um medicamento diariamente (foram os conflitos de ego entre meus psiquiatras), mas ainda assim os tomo. Deixei de consumir muita besteira, diminui a quantidade de doce e gordura e passei a beber mais água. Minha urina já não parece mais uma amostra de Tampico, e meu sangue não é grosso como marshmallow. Minha fé ainda é intacta. Ainda creio no Síndico celestial. Do contrário, se não fosse o temor ao inferno, já teria pego a saída de emergência. E as terapias... Me fazem voltar ao começo.
Ou seja, até pouco tempo eu ainda não acreditava na força do querer (não estou falando da novela). Não conseguia enxergar que não havia motivos pra ficar triste. E sempre girava incontáveis vezes pelos problemas, mas nunca chegava neles. E isso me deixava ansioso, irado e angustiado.
Até que a fada branca da minha vida, me indicou o caminho pelo tijolos coloridos. "Não há lugar como o lar". E há melhor casa que nós mesmos? Me ensinou a mobiliar meus cômodos, aceitar as rachaduras nas paredes, não varrer a sujeira para debaixo do tapete e arrumar a cerca da entrada. E claro... Não esquecer de regar o jardim, e entender que o coco que está nele apenas deixarão as flores mais bonitas.
A bipolaridade não me incomoda mais. Na verdade, não tanto. Nos entendemos como podemos e como devemos. E dá-me discernimento para viver comigo e com outros, sem que centenas ou milhares de planos infalíveis do Cebolinha me tirem do sério.
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