O mundo virtual do Player 1 na vida real
- André Luis Mazzoli

- 21 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Eu não me lembro de qual foi a primeira vez que experimentei a sensação de ser vitorioso em um jogo. Mas me lembro dos primeiros jogos que aprendi. Quando eu era bem pequeno, meu avô e meu pai eram sócios do Grêmio esportivo de Jundiaí. Meu avô ia muito pra jogar pôquer e bocha. Meu pai costumava jogar sinuca. Já eu somente os acompanhava. Por vezes fazia castelos de cartas em mesas vazias. Até que meu pai passou a me ensinar vários jogos. Aprendi com ele sinuca, buraco ou canastra, pif paf, 21, jogo da velha, pebolim, entre outros.
Quando eu tinha sete anos meu tio Joel começou a me ensinar jogar xadrez. Ele costumava dizer que só viraria um mestre a partir do momento que vencesse o mestre. Demoraram anos pra que eu conseguisse vencê-lo. Mas o venci. E é a primeira lembrança que me vem de saborear a sensação de uma vitória. Foi incrível. Ele costumava dizer que o jogador de xadrez deve ser perspicaz, sagaz, ardiloso e criativo. Além de prever até seis jogadas a frente. Eu nunca consegui chegar às seis. Mas eu conseguia montar um mar de possibilidades e me basear sobre uma delas. Houve embates com meu primo Leonardo (Nana) que durava mais de hora. Ele sacrificava nossas rainhas para que o jogo ficasse ainda mais difícil e longo. Sempre revezávamos em vitórias e derrotas. Era meu melhor oponente. E gosto de pensar que fui o melhor adversário dele também.
Quando crianças não tínhamos condições de arcar com um vídeo game, mas meu tio tinha muitos jogos de tabuleiro que, até onde sei, ganhava do seu pai e de sua madrinha. Nas minhas férias ia pra Brasília e ficávamos jogando Jogo da operação, morcegos equilibristas, pula pirata, vira mesa, cara a cara, resta um, mas principalmente torneios de futebol de botão. Sinto muito saudosismo dessa fase.
Eu não me lembro com qual idade ganhei meu primeiro vídeo game. Mas me lembro de que o primeiro foi um super-nintendo. Minha mãe disse que me daria o vídeo game, mas não me daria os cartuchos. Naquela época, eu ainda ganhava, uma vez aqui outra ali, dinheiro por tarefas. E nisso ia comprando meus cartuchos. Meu primeiro jogo foi Donkey Kong 2. Nessa fase da vida eu tinha o desfrute de muitas amizades que iam do clube dos perdedores da escola, os personagens das HQs e filmes e meus amigos imaginários. E lamentavelmente, nenhum deles podia jogar comigo. Nisso eu jogava sozinho. Super Mario, Bomberman, Street Fighter, Mortal Kombat, Rei Leão, Top Gear, Rock 'n Roll Racing, Contra, Sunset Riders (tive muitos conflitos internos de fúria por causa desse), Side Pocket, Mickey and Donald, X-men Mutant apocalipse, e por ai vai (não quero encher essa página somente com os jogos que zerei). E para aqueles que pensam: Caramba, ele tinha muito dinheiro, ou, como ele conseguia comprar tantos jogos? Então, havia uma técnica que deve durar ainda hoje. Fazíamos escambos de jogos. Eu descobria quem tinha o mesmo vídeo game e trocávamos os jogos.
Pra não dizer que nunca tive com quem partilhar minhas vitórias, quando eu ia jogar, eu ligava a TV, colocava o jogo, a cadeira em frente e pegava o controle; e de imediato, meu irmão que era bem pequeno, pegava um pequeno tamborete e se sentava ao meu lado. Eu entregava um controle a ele, e tirava o fio do console. E ele acreditava que também jogava. E nisso, quando passávamos de fase ou quando zerávamos o jogo, ele ficava feliz também. Pois acreditava que havia feito parte daquilo. E quer saber? Ele fazia muito parte daquilo.
Eu e meu irmão adorávamos Street Fighter. Eu sempre gostei do Ryu, e ele sempre preferiu o Ken. Toda vez que íamos jogar, e estávamos na tela de escolher o personagem, ele olhava pra mim e dizia: Luta de Kimono?
Os anos foram passando, os consoles foram se renovando, mas sempre estivemos um passo atrás do console vigente. Passamos por novos jogos, vários fatalities e especiais, golaços, derrapadas, sustos em survivor horror (eram os meus favoritos), e até mesmo fomos guitarristas numa banda tocando Cowboys from hell. Mas com os anos vieram novos ideais. E os jogos já não faziam mais parte do meu mundo. De tempos em tempos arrisco um banco imobiliário, um pôquer, ou até um Uno. E dos jogos eletrônicos o que sobrou foi um Candy Crush no celular. Ás vezes assisto "Detona Ralph" ou "Jogador nº 1" e percebo as referências dos jogos que eu amava e dos momentos que tive e confesso que sinto saudade.
Às vezes, me pego ponderando: Por que os jogos são tão importantes pra mim? E às vezes chego à conclusão de que os jogos, assim como os filmes, me levam a mundos vertentes ao que vivo. Posso estar em qualquer país do mundo, ou numa galáxia muito distante, posso viver em um apocalipse zumbi, ser um esportista, um lutador ou qualquer animal. Consigo ser e estar onde eu quiser. E nos dias da depressão, qualquer lugar é melhor do que onde estou e ser quem sou.
Um dia meu irmão chegou a me dizer que faria a Graduação em desenvolvimento de jogos. Confesso que temi. Afinal de contas, posso estar enganado, o Brasil não é a personificação dos maiores desenvolvedores de jogos. Pelo menos não dos mais conceituados. Não sabia onde aquilo o levaria. Um dia um amigo de faculdade me disse que não queria fazer o curso que fazia. Ele queria algo diferente. Mas antes ele faria algo necessário, para somente depois poder arcar com o que realmente fazia seu coração pulsar mais forte. Queria ter sido intrépido para fazer o que eu realmente queria ter feito. Mas fico feliz, e gosto muito de pensar no quanto o Giovanni foi petulante em cuspir na cara das regras da vida. E fico ainda mais satisfeito em saber que, de alguma forma, fiz parte disso.



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