O colecionador
- André Luis Mazzoli
- 17 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Quando eu era adolescente, o clube dos perdedores tinham os seus potenciais maiores colecionadores de acervos inúteis que eu já havia visto. Havia o que colecionava latas vazias, carteiras de cigarro, cards do chocolate Surpresa, figurinhas do Ploc Moster, cartões telefônicos e até papeis de carta. Já eu não colecionava nada. Eu não tinha esse afinco ou interesse em escolher algo para compilar. Achava também que precisava de fundos financeiros provenientes do banco materno. Mas o banco materno já deixava bem claro que para qualquer transação monetária ambicionado por seus dependentes a resposta era "não", "meu dinheiro não cresce em árvore" e "porque não é não" (esperei muito para ter meus filhos e poder dar essa resposta). E convenhamos, que dependendo do que pretende colecionar, é preciso espaço. Mas eu dormia num quarto que parecia uma cabine telefônica.
A partir do momento em que morávamos apenas eu e meu irmão, comecei a colecionar DVDs de filmes. Uma vez nas Lojas Americanas vi Senhor dos Anéis - O retorno do rei sendo vendido a R$ 12,99. Ao mesmo tempo em que achei um preço atrativo e acessível, tomei as dores J. R. R. Tolkien. Fico pensando nele dizendo: O quê? Foram 16 anos escrevendo e revisando, pra custar apenas 1,97 libras esterlinas?
Todo mês, assim que recebia meu pagamento, ia ao shopping comprar dois filmes. Passava mais de uma hora pra escolher o titulo que faria parte da minha prateleira. Ás vezes via um terceiro e escondia-o no meio das gôndolas para que pudesse encontrá-lo novamente no mês seguinte. Cheguei a ter mais de 150 títulos. E eu tinha muito carinho por eles. Baixei um sistema de locadora, onde os cadastrava e me sentia mais metódico. Os limpava, assistia-os com frequência, mudava suas posições nas prateleiras e dificilmente os emprestava. Até que, quando minha filha mais nova ficou doente, precisávamos de dinheiro pra sua cirurgia. Com os streamings, os sites de downloads e as TVs à cabo, não somente os cinemas foram perdendo seu prestígio, como também as vídeo locadoras foram fechando. E assim, vendi todo aquele meu patrimônio por um valor bem irrisório. Talvez não parecesse muito para os outros, ou possa estar sendo melodramático, mas era como se eu estivesse perdendo um pedacinho da minha essência.
Em 2017, como me sentia muito sozinho e enfadado com pontos da vida, me vi na necessidade de me identificar e me materializar em algo mais uma vez, para que assim, pudesse me fazer parte sociável em algum grupo. Mas não queria algo que tomasse muito do meu tempo, tampouco que fosse dispendioso. Na época, O Banco Central emitiu uma quantidade limitada de 17 modelos de moedas para comemorar as Olimpíadas 2016. Facilmente encontrava uma ou outra. E comecei então a guardá-las e ficar mais atento as moedas que me devolviam de troco. Em menos de seis meses eu já havia conseguido todas. E quando já não havia mais nenhuma pra garimpar (como dizem os grupos de numismática), comecei a procurar as moedas referentes a cada ano, em todos os valores, e outras moedas comemorativas, como as do aniversário do Banco Central, a comemorativa de Juscelino Kubitschek, ou com motivo alusivo à celebração dos cinquenta anos da Food and Agricuture Organization. Ainda não consegui a comemorativa dos Direitos humanos e a de 25 anos do plano real.
A intenção era apenas colecionar moedas do plano real. Contudo, as pessoas ficam sabendo da minha coleção, e pra ajudar me presentearam até mesmo com moedas dos Estados Unidos, Espanha e Vaticano. Já em julho de 2017, um primo da minha mãe tinham guardadas moedas desde a década de 40. Quis me vender por um valor bem módico. Eu nem tinha intenção de comprá-las, Mas pelo valor achei interessante. Fomos até Palmital para buscá-las. Eu não tinha o mesmo apreço, mas guardei junto às outras.
Até que, um dia desses, fui dar uma olhada nelas e percebi que as antigas simplesmente sumiram. E por um momento acreditei que elas realmente só existiram dentro da minha cabeça. Que imaginei todas aquelas situações. Só me convenci de que elas de fato eram reais, quando conversei com minha mãe. Ela estava comigo quando as buscamos. É certo que fui eu que as coloquei em outro lugar. Acordado ou não. A dúvida que não me preocupa é onde as coloquei, pois quando menos se espera, elas aparecem. São Longuinho tá aí pra provar. O que realmente me preocupa é até onde vai este vão da minha consciência e o knockout da minha inconsciência.
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