Enfim, a contradição
- André Luis Mazzoli
- 27 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Uma coisa que talvez a bipolaridade nos causa, ou ao menos em mim, é não saber precisar tempos e períodos. Eu sou ótimo com datas. Contudo, tenho redes sociais, aplicativos e, agora, quatro agendas que me assessoram constantemente. Em algum momento e lugar eu teria que usar algo que aprendi na faculdade. Esse mês fez dois anos que aceitei meu diagnóstico.
Há algum tempo (ao qual não preciso estimar quando, porque você não é estúpido(a), e entendeu o parágrafo anterior, né?) entrei numa farmácia aqui perto de casa para comprar meu Carbolitium 450gr. Quando a farmacêutica olhou a receita, fitou-me com um olhar de emoji da consternação. Calma aí minha filha! Não sou portador de um câncer terminal. Tampouco, não é por que tomo Carbonato de Lítio e faço tratamento para controlar meus episódios maníacos nos meus transtornos afetivos bipolares que vou colocar uma 37mm na cabeça e estourar meus miolos. Seria o mesmo que comprar um pacote de camisinhas e pularmos de euforia porque vou transar. Mereço e reivindico meu direito a ser tratado com dignidade de uma pessoa como outra qualquer.
Outro dia fiz entrevista para uma proposta de emprego, e, ao final o entrevistador me perguntou se havia algo que eu quisesse dizer, que ele não houvesse perguntado. E por um momento hesitei em dizer que era acometido pela bipolaridade. Todavia, por um infimíssimo lapso temporal, fui abençoado pelo santo do discernimento, e lembrei que vivemos cingidos por um mundo de hipocrisia, falsidade, dissimulação e maldade. E não é o mundo que é assim. São as pessoas. Somos obrigados a fingir quem não somos para, ao menos, sobreviver. Fingimos sermos normais com tanta desenvoltura porque é assim que nos enxergamos. E não sou eu que não penso ser normal. Essa confraria de atrocidades é tão convicta que somos díspares, que nossa minoria, acuada, não tem opção senão simplesmente aceitar. Até onde você acha que ecoa nossos gritos? Quantas vezes você já ouviu alguém dizer “Credo, heim? Parece bipolar!”. Opa, calma lá! Ao mesmo tempo que compara uma pessoa lunática frenética com a minha enfermidade está dizendo que também sou um lunático frenético. E o que eu fiz mesmo?
No ano de 2012, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lançou a campanha “A sociedade contra o preconceito” no 30º Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Mas o que mudou de lá pra cá? Hoje, segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, já somos 4% da população brasileira (Isso é equivalente a mais de sete milhões. Dá pra encher 89 vezes o maracanã de muita loucura). Recentemente, dia 30 de março passou a ser celebrado o dia do Transtorno Bipolar (Em homenagem ao pintor Holandês Vicent Van Gogh. Postumamente diagnosticado com transtorno bipolar), no intuito de quebrar estigmas sociais, conduzindo informação e sensibilizando a população. Mas quer saber? Eu não quero que se lembrem de mim num dia do ano porque sou bipolar. Eu tenho sim, irritabilidade, impaciência, postergação, ansiedade, agitação, distração, aliás, muita distração, tristeza, pequenos cacoetes e manias. Mas nem por isso fico apontando setas luminosas sobre a cabeça das pessoas dizendo: Olhem, ela é toma sorvete com Coca-cola!!! Ou incitando as esferas máximas para que criem o Dia mundial da pessoa “normal”.
Será que não pensam que o Transtorno Bipolar me fez alguém melhor? Que pelo fato de saber que pelos olhos do mundo (E quando digo o mundo, sem tapadice, quero dizer o mundo, sem exceção) sou diferente, e não julgo ninguém por nada? Que a bipolaridade por me tirar os filtros da chacota me fez alguém sem limites para diversão? E talvez, mais burlesco? Que toda essa genética, ambiente, estrutura e química do meu cérebro me fez ser quem sou? Eu não quero mais ter que andar pela rua como um judeu no holocausto. Esperando que alguém me identifique. Isso só me conduz, cada vez mais a minha “saída de emergência”. Mas agradeço aos que me qualificam pela minha doença. Sinto-me uma pessoa bem melhor sabendo que eles existem. E pra você (É você sabe que é pra você) que ri de deboche quando passo, que se esconde esperando meu dr Hyde sair das sombras, ou até que tem pena por achar que sou um coitadinho; deixo meu “bom dia”, “boa tarde” e se não nos vermos mais “boa noite”.
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