Divertida mente
- André Luis Mazzoli

- 23 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Sempre gostei de animações. Quando criança, eu e meus primos, assistíamos e simulávamos com muita desenvoltura e comprometimento os episódios dos desenhos que passavam no show da Xuxa. Brincávamos... quer dizer, incorporávamos os personagens de formas que nem os melhores atores de Hollywood fariam melhor. Nem mesmo roteiro precisávamos, pois todas estórias pareciam gambiarras. Encenávamos Tartarugas ninjas, Caverna do Dragão, Caça fantasmas, Thundercats, Rambo, e vários outros. Dependia muito da vibe do dia.
Cresci assistindo desenhos de incontáveis produtoras. E eu não tinha esse negócio de apreciar apenas o que a Disney produzia. Amei “Madagascar”, “Meu malvado favorito”, “Gigante de ferro” e “Megamente”. E nem por isso foram produzidos pela empresa do rato. Tanto que, também há desenhos da Disney ou Pixar que não gostei. Não posso dizer que tenho um arbítrio apurado como a dos velhos da academia de arte do Oscar. Mas, assim como qualquer outro, tenho minhas convicções sobre o que é bom. E mesmo tendo argumentado tanto, ao tom de parecer estar desmerecendo o que a Disney produz, não posso dizer que ela não é a melhor produtora em animação que existe. Visto que, quando pensamos que não há mais o que ser realizado, eis que surge ela como um boleto pago antes da data de vencimento. Transforma algo nítido e cotidiano em algo simplesmente lindo e original.
Pra enfatizar, e como tema deste texto, quero falar sobre “Divertida mente”. Esta animação de 2015, me quebrou em pedacinhos que ainda hoje não consegui reestruturar-me novamente. No filme, Rilley, é uma garota de apenas onze anos, que passa a enfrentar uma série de transições. Por mais que o enredo prático se desenvolva nas situações vividas pela menina, o entrecho se dá dentro de sua cabeça através das ações comandadas por seus cinco sentimentos (Alegria, tristeza, raiva, nojo e medo), onde são responsáveis pelo processamento do que está acontecendo e reprodução da sua comoção. As situações, episódios, eventualidades são todas gravadas em esferas com cores que se contrastam de acordo com o sentimento predominante.
É pontual a ênfase que o grupo de roteiristas (Amy Poehler, Bill Hader, Pete Docter, Josh Cooley, Meg LeFauve) dá ao que acontece quando os sentimentos enaltecem sua importância nas atitudes representadas pela Rilley. É como se a pessoa sentisse felicidade num momento de tensão. O Medo é um sentimento tão arcaico quanto os primeiros répteis da terra. Ele simplesmente agrega competência ao organismo nos preparando para possíveis perigos a partir do momento que o cérebro capta indícios de risco. Ou seja, ser feliz num momento de medo, ou sentir tristeza num momento de felicidade pode ser um tanto quanto contraditório e perigoso. A personagem Alegria tende a adornar todas as situações para que a menina não sofra. E isso a priva de sentimentos que são primordiais para o crescimento humano. É importante reconhecer a importância de cada sensação atribuída para cada momento. Esconder as desventuras é como um placebo para os martírios necessários.
É preciso que haja um controle de nossos sentimentos. É fácil? Óbvio que não. Mas os sentimentos base esmiúçam e catalogam um mundo de suas possibilidades. Para os esportistas, saltar a 30 mil metros de base jumping pode ser divertido, pra você leitor, pode ser arriscado. Um Hambúrguer com um cogumelo crescendo sobre o pão, pode não ser uma ideia muito boa. Sendo assim, mesmo que queiramos constantemente dar ouvidos à alegria, ser sensato nas escolhas pode evitar que venhamos a ter uma diarreia, dores abdominais, náuseas, vômitos... O que não podemos é deixar que tais sentimentos nos levem aos extremos de não querermos experimentar coisas novas ou sair de casa.
O mesmo vale para o sentimento de raiva. É claro que sentimos raiva. Há situações que parecem que foram feitas para medir nossa intensidade de explosão nuclear. Depois de passar uma hora no telefone esperando pra ser atendido pra apenas receber o número de um protocolo, o mínimo que podemos esperar é um “Put* que pariiiiiiiiiiiiu!!!!”. É importante saber manter a estabilidade para que a raiva não o consuma.
Pete Docter e o psicólogo Paul Ekman estão a frente de uma grande equipe e de uma colossal pesquisa de mais de 50 anos sobre esse universo. Foi tudo muito bem elaborado, desde o que é engraçado ao que é enternecedor (Se você não ficar, no mínimo, com um nó na garganta, é porque não tem coração). Soube, de forma lúdica, nos mostrar como funciona o cérebro, suas anatomias, os sonhos, como nos esquecemos e nos lembramos das coisas, como os sentimentos se comunicam. E a intenção parece ser tão subjetiva que não sei, ao certo, qual o público foco desta animação. Pois certamente as crianças serão conduzidas pelas cores e pelos personagens muito carismáticos e importantes. Contudo, a riqueza dessa obra prima da Pixar (sem vilões) está em seu roteiro que sabe trabalhar a inteligência emocional. E pra mim é o melhor da empresa.
Nota do famigerado: 9.7



Também gosto dos animados... São para os adultos refletirem a vida e não perder a capacidade de sonhar.