Curriculum Vitae
- André Luis Mazzoli
- 8 de set. de 2020
- 8 min de leitura
Por não ter me dedicado o quanto eu deveria aos estudos, não é preciso ser um oráculo pra saber que não fundei a Apple ou o Facebook. Não sei quanto à opinião das outras pessoas, e talvez isso nem importe tanto, mas na minha cabeça eu nunca tive êxito em nada.
Meu primeiro trabalho foi numa Vídeo Locadora. Durei uma semana. Aleguei que o trabalho estava tirando o foco dos meus estudos. Invencionice minha porque não estava conseguindo me adaptar ao sistema do computador.
Quando terminei o ensino médio comecei a trabalhar numa importante loja de roupas. Estava feliz por ter passado num processo seletivo de cinco etapas e conquistado meu primeiro trabalho de carteira assinada, e numa multinacional.
Fomos treinados pra inaugurar a loja do novo shopping de Taguatinga. Fiz um Job Rotation por todos os departamentos da empresa. E me jogaram no provador. De todos os departamentos da empresa me jogaram na escória dos departamentos. Mas já tinha me dado por feliz em trabalhar. Foram três anos trabalhando como um serviçal para ganhar uma mesquinharia. Mas o sorriso dissimulado e inocente estava bem ali. Fadigado, mas bem ali. E pra frisar o sentimento de inutilidade: foi um exame admissional para assessor de clientes jr. provador, e demissional para assessor de clientes jr. provador. Até passei por outros departamentos. Mas sempre me voltavam para o provador. Gosto de pensar que era porque somente eu sabia fazer o que fazia com as camisinhas usadas que eu encontrava no chão.
Quando saí de lá acreditei que, por ter trabalhado numa loja com o porte daquela loja, arrumaria outro emprego facilmente: quimera, quimera. Foram três anos de desemprego.
Foi quando com o dinheiro de um consórcio, eu e meu ex-sócio, seguimos nossos instintos em empreender em algo que realmente conhecíamos bem. Montamos a nossa vídeo locadora. Pegamos o dinheiro compramos uma mesa, algumas prateleiras, alguns filmes, pegamos o computador que ele tinha em casa e alugamos um salão no setor P Norte. Sem contar o que não pagamos em dinheiro e nos endividamos ainda mais. Nisso surgiu a Scream Vídeo locadora (eu sei, hoje percebo que é um nome bem bosta. Nós sempre adoramos filmes de terror. E achamos uma boa ideia colocar o nome de algum filme que tínhamos gostado). Pra ter uma ideia, nem mesmo placa tínhamos. A princípio parecia um tiro no escuro. Mas com o tempo os clientes foram aparecendo, e fomos nos consolidando.
Estávamos sempre atualizando os VHS e cada vez mais os clientes aumentavam. Tivemos que ampliar a loja, montamos outras duas e até mesmo fizemos uma Lan House. A última fase da locadora veio com uma ótima e uma péssima ideia. Primeiramente mudamos o nome da locadora. Era o fim da Scream e o começo da Marvel Vídeo. Com o começo de uma nova fase da locadora, também vieram as inovações dos filmes. Transitávamos do VHS para o DVD. E isso era uma colossal conversão. Demorou para nossos clientes pudessem acompanhar essa transição. Principalmente para pessoas de baixa renda daquele bairro. Mas quando começaram a mudar foi como uma avalanche. E elas já não queriam mais saber dos filmes VHS. Passamos, então, a vender os filmes naquele formato e comprar filmes em DVD. Porém, com a nova mídia, facilitou a pirataria. Os discos continham uma proteção anticópia para inglês ver. Pois o mesmo desenvolvedor do copy protection era quem vendia a forma de burlar a sistema. E quando menos esperávamos desempregados estavam nas esquinas vendendo filmes copiados em mídias mais baratas. É óbvio que começamos a perder nossos clientes, que optavam por pagar mais barato por um filme que não teriam que devolver, a alugar um filme numa empresa cheia de burocracias e prazos.
Deveríamos ter a UBV (União Brasileira de Vídeo) pra defender nossos direitos na comercialização de vídeos. Mas ao invés de estarem mais interessados em bater contra a pirataria, estavam mais dispostos a fiscalizar as vídeo locadoras. Tivemos que baixar o preço das locações, fazer promoções mirabolantes, cortar gastos onde eram possíveis, e, até mesmo uma reunião com todas as vídeos locadoras do P. Norte foi feita para organizar um cartel. Mas nós recusamos. Foi quando não tínhamos mais como manter nossas dividas, e tivemos a péssima ideia: Queríamos piratear filmes também e colocá-los para alugar. Compramos um computador super potente que fazia até três filmes por vez. E uma impressora que fazia a arte no disco como se fosse profissional. O cliente até percebia. Mas ele não estava interessado em reclamar. Eu não achava certo o que a UBV fazia, tampouco, nem por isso teria que concordar com essa alternativa. E com isso encerramos a sociedade. Com o tempo, meu irmão que na época, trabalhava na vídeo locadora do P Sul, foi preso somente porque trabalhava numa loja que comercializava pirataria. Após outro tempo a locadora do P Norte também foi pega e finalmente fechada.
Trabalhei então numa casa de materiais de construção. Chamaram-me pra ser o mostruarista da empresa (até então nem sabia que essa profissão existia. E pra minha não tão grande surpresa, o meu corretor ortográfico do Word também não). Porém, nem tenho tanta necessidade de falar da empresa. Basta saber que trabalhei lá, aprendi pouco, o meu chefe era um grandessíssimo bosta arrogante e saí de lá.
Foi então que entrei num Home Center, e para o que me parecia, era finalmente uma trilha consistente para uma luz no fim do túnel. A empresa era a matriz de algumas outras que eu também prestaria meus serviços. Fui contratado para organizar um almoxarifado para suprir todas as necessidades, ou pelo menos as necessidades autorizadas pelos encarregados de todos os departamentos da empresa. Recebia os pedidos de materiais, avaliava a necessidade, orçava, comprava, recebia, armazenava e distribuía. Desde o homem que limpava o chão até o Dono da empresa.
Cheguei num lugar onde não tinha, sequer, prateleiras. E admito que pela primeira vez dentro de uma empresa me senti valorizado e desafiado. Pois acreditavam que eu tinha potencial para suprir a brecha que havia ali de forma responsável, colaborativa, eficiente e eficaz. E dessa vez gosto de admitir que me saí bem. Quiseram um funcionário para elaborar e organizar um departamento. E foi o que fiz. Desde o espaço físico as requisições e controles. Todavia, um dia, o poder de ser o encarregado de um departamento (que era
somente eu) me subiu a cabeça. Por acreditar que havia feito um trabalho super-hiper-fabulível nível master of puppets pica das galáxias, pedi um aumento salarial. Então, minha encarregada na época disse que eu havia chegado ao topo que meu departamento permitia que eu crescesse (O que realmente não era uma mentira). E nisso me mudaram para o Departamento de Recursos Humanos da empresa. E foi lá que descobri que dei um tiro de bazuca no pé. Eu não sei bem se fui mal aproveitado ou se eu já era carta fora do baralho. E com mais alguns meses eu já estava mais uma vez desempregado.
Com mais um tempinho entregando currículos para fazer volume nas lixeiras das empresas, um amigo com quem trabalhei no Home Center me ligou. Falou que onde ele estava trabalhando precisava de alguém que trabalhasse no departamento burocrático da empresa. Nessa empresa de Formaturas eu cuidaria da digitação dos dados e arquivamento dos contratos. Por ser próximo de casa, eu achava até cômodo. Porém, era muita pressão e pouco
reconhecimento. Inclusive financeiro. Num momento que eu já me achava apto a tocar o barco sozinho, quiseram que eu cuidasse da minha parte e de outro colega que estava entrando de férias. E por motivos óbvios, o trabalho não teve outros incentivos e ficou mais exaustivo. Até que a Lei de Murphy entrou em ação. O dono da empresa queria que eu fizesse coisas que eram inviáveis. Como burlar regras bancárias simplesmente porque achava que era a última bolacha de um pacote de Bono (adoro essa bolacha). Numa tarde, pedi licença ao interromper uma reunião para informar que a Caixa Econômica Federal não tinha como repassar os valores dos cheques, pois já passavam das 16 horas. Poxa, o homem cargas d'água me chega às 15:30 horas, com mais de 40 cheques para serem cadastrados no sistema, copiados, carimbados, colocados em ordem numérica e repassados ao banco para que pudesse receber no mesmo dia? Quem é ele? Jeff Bezos? Ele me disse que eu deveria cuidar das coisas com mais prioridade. Entretanto, como tratar as coisas com prioridade quando tudo parece ser primordial? Em minha defesa aleguei que estava cuidando com muito zelo de dois departamentos ao mesmo tempo. Foi então que aquele espantalho do Fandangos proferiu a frase que mais me marcou em todas as empresas que eu já trabalhei: Você tem sim que dar conta de dois departamentos. E se for preciso enfio um espanador no seu cu pra ainda dar conta de limpar o departamento! Minha reação foi contemplativa. Mas por dentro eu estava aos berros. O quêêêêêêêê?!!!! Minha vontade foi ter dito: Sua certidão de nascimento é um pedido de desculpas da Jontex, seu saco de chorume! Percebi o susto na reação das pessoas que estavam na sala de reunião e não souberam também assimilar o que tinham acabado de ouvir. Saí da sala constrangido. Violentado moralmente. Sem olhar para os lados ou proferir um "A". Fui direto a sala da minha encarregada e disse: Estou nesse exato momento descendo ao Departamento Pessoal, fazendo meu pedido de demissão. Eu nem deveria, mas em respeito aos meus colegas que terão que arcar com minha ausência, vou esperar vocês contratarem alguém pra eu treinar. E assim que o outro funcionário voltar de férias, estou indo embora! Pois não fico sequer um dia a mais nessa empresa.
E diferente do que eu havia prometido, assim que ele voltou, ainda fiquei mais um mês treinando o novato. Fiz meu corpo molusco. Mas continuei lá. Até que novamente estava desempregado.
Não tardou muito e novamente estava trabalhando. Dessa vez fui contratado para ser o técnico de patrimônio da empresa de construção civil em Taguatinga. Novamente tinha um departamento só meu. Eu dividia a sala com outras pessoas. Mas quem controlava aquele departamento era apenas eu. E acima de mim estava apenas o dono da empresa. E quer saber? A empresa tinha seus estresses, mas eu adorava. Controlava o departamento ao meu modo, tinha boas companhias no escritório, dávamos boas risadas, almoçava bem, dormia e jogava dominó na hora do almoço, conciliava o trabalho e os estudos, e o melhor de tudo: Todos me tratavam como um profissional necessário. Mas neste mesmo ano, descobrimos que minha ex-esposa tinha depressão. As coisas poderiam estar bem no trabalho, mas em casa estava bem punk. E até aquele momento eu ainda não sabia que tinha o transtorno bipolar. E ela doente, com pequenos trabalhos incertos e morando de favor na casa do meu irmão. Ela até recebeu uma proposta de trabalho bem remunerado na mesma construtora, mas o trabalho nunca passou de uma promessa. Assim que descobrimos a doença, por orientação médica, ela voltou à casa dos pais. E eu continuei trabalhando na construtora. Pensei que ela estava em Caldas Novas por tempo determinado. E assim que estivesse melhor ela voltaria. Até que ela arrumou uma parceira com projetos arquitetônicos. Ou seja, ela não iria voltar. Debatemos muito, até que decidi deixar tudo pra ir pra Caldas Novas. Tranquei a faculdade (que nunca terminei), deixei filha, mãe, irmão, e pedi demissão do meu último trabalho em Brasília com um gostinho amargo de frustração e fracasso. Queria acreditar que poderia ter feito mais e melhor. Mas parece que não deu certo.
Não posso dizer que comecei trabalhar cedo. Mas quando comecei não demorei a rechear minha CTPS. Não é uma qualidade, mas posso dizer que fiz o máximo pra não ficar estático. Passei por empresas grandes assim como tantas outras pequenas e até mesmo uma empresa que pude chamar de minha.Depois de tanto tempo trabalhando meios de me portar em grupos para ser positivamente perceptível, adotei uma personalidade cômica por irônico, ou até mesmo sarcástica, ou num misto dos dois, mas sempre mensurando não ofender. Contudo, propositalmente, nem sempre deu certo. E isso fez com que ganhasse muitos adeptos ao meu jeito. Assim como alguns que torciam o nariz.
Cada empresa que trabalhei, concedeu-me ferramentas que então seriam usadas em outros
lugares. Aprendi coisas com chefes que mais pareciam Chanceleres de Partidos nazistas, assim como tive chefes que colocavam degraus sob meus pés para que eu aprendesse como subir. E aprendi ser diplomático e trabalhar com ambos. Mas com dignidade.
Hoje, enquanto escrevo este texto, estou desempregado em meio a uma pandemia e um país quase em colapso financeiro com crise de emprego. Sinto-me mal por não dizer nas entrevistas que sou acometido por um transtorno. Já fazem alguns meses que não apresento sintomas mais severos. Mas, venhamos e convenhamos: Se você fosse responsável pela contratação de alguém que seria intendente de algum departamento importante da empresa, contrataria alguém que não tem controle das emoções?
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