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Conhecendo pessoas novas todos os dias

  • Foto do escritor: André Luis Mazzoli
    André Luis Mazzoli
  • 18 de jul. de 2020
  • 3 min de leitura

Em 2002, eu dividia uma republica com mais quatro amigos. Por vezes me questiono como cabíamos todos dentro de uma quitinete com sala, cozinha, quarto e banheiro. Acho que as mulheres que levávamos pra lá se faziam a mesma pergunta.

Compartilhamos momentos muitíssimos bons lá. Vimos o Brasil ser Penta campeão, fomos a shows como Rappa, capital Inicial, Ana Carolina, porão do rock e aos finais de semana, após o expediente variávamos entre ir à praça do D.I. pra beber e jogar conversa fora, ou ir pra casa jogar Scotland Yard ouvindo Black Sabbath, Pink Floyd e Queen.

Na época eu era turma fixa de uma grande empresa de roupas num shopping de Brasília. Eu trabalhava no domingo e folgava na segunda e na terça-feira. Ou seja, Três dias da semana eu não via meus amigos. Pois quando eu estava trabalhando eles estavam de folga, e quando eu estava de folga eles estavam trabalhando.

Após o expediente de domingo, eu pegava minhas roupas e ia pra casa da minha mãe lavá-las.

Num desses dias, após o almoço, eu estava sentado no chão da área de serviços de casa. Pois numa cidade onde 37° era considerado fresco, era o lugar mais arejado da casa. Lá também estavam minha mãe e meu padrasto. Minha mãe passava roupas e ele estava sentado de frente a ela, encostando o peito no espaldar da cadeira.

Até que ele disse pra mim:

- Ela trabalha bem, né?

Eu entrei na onda e respondi:

- Trabalha sim!

- Você conhece ela?

- Mais ou menos!

- Conhece de onde?

- Por ai. De vez em quando a gente se esbarra!

- E quanto tempo faz isso?

- Mais de vinte anos!

- Nossa isso tudo?

Nessa hora percebi que minha mãe me evitava olhar nos olhos. Não ria da sátira que fazíamos, e o mais inusitado é que meu padrasto não parecia estar brincando ou sequer saiu do personagem. Ele realmente não conhecia minha mãe.

Minha mãe recolheu as roupas que havia passado para guardá-las e foi ao seu quarto. Quando a segui perguntei:

- O que está acontecendo com ele?

- Ele tem Alzheimer! E se esqueceu de boa parte de nós.

Até então ele ainda não havia se esquecido de mim.

Com a ausência do meu pai, tive que adotar outros homens que assumiram essa figura paterna. Primeiro meu avô Amaury, depois o Raimundo. Ele não tinha essa responsabilidade. Pois já tinha três filhos. Seus ônus eram com eles. Mas, ainda assim, visto que, era o Alfa da casa, e casado com minha mãe, se viu neste compromisso. E eu, facilmente, aceitei. Ele não precisava de outro filho. Mas eu carecia de um pai. Em momento nenhum da vida ouvirão de mim dizer que não recebi do Raimundo o que um pai daria. Deu-me insumos para viver, alimento, um teto, uma cama, vestiu-me de roupas e de caráter. Ele não era afetuoso. Mas essa era uma característica dele comum a todos os filhos. Seu jeito afável de ser era do tipo: E aí? Vamos assistir Mossoró x Cabofriense? Ou quando ele nos servia pedações de rapadura, que para quem não era diabético contraia a doença instantaneamente só com o cheiro.

Meu novo “pai” tinha características que abarrotariam esses relatos de histórias. O Homem que se queixava do preço de todas as coisas, que regulava caixas de leite guardadas debaixo da cama, que vestia camisas havaianas coloridas para ir à velórios, torcedor fanático do botafogo, que achava que todos o conheciam por causa daquele bigodinho by Charles Bronson, que dava seta para virar numa rua com o carro à 5 km de distância e dirigia tão lento que até os carroceiros e o caminhão de lixo o ultrapassavam. Era aquele cara cheio de piadas sem graça que demonstravam os dias que estava com bom humor (Eram ótimos dias pra se pedir qualquer coisa), gostava de jogar paciência em seu quarto fechado e dominó aberto ao mundo. Raimundo, como todo o restante da casa não demonstrava ser adepto a qualquer religião. Mas ele acreditava em Deus, e certamente Deus acreditava nele.

Ele não me viu formar, nem me casar, tampouco conheceu suas netas. Mas sinto que se estivesse aqui, teria orgulho das conquistas de seus filhos e seria um bom avô, como também foi um bom pai. Era um homem tão, mas tão bom, que anos após sua ida, as pessoas, sempre se lembram dele com muito carinho. Em 2007 ele faleceu em decorrência de um infarto do miocárdio. Perdi-o em minhas mãos. Tive incontáveis oportunidades de falar-lhe o quanto ele foi enriquecedor para a formação de meu caráter, e o quanto eu o amava. Mas somente o disse num dia em que minha mãe estava trabalhando, e ele já estava bem acometido pela doença. Ele me respondeu:

- Você dorme comigo aqui hoje? Não quero morrer e as pessoas não saberem que morri.

Não Raimundo. Errou rude! Todos nós soubemos de sua morte. Mas demos valor ao que você fez em vida.

 
 
 

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