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Certa vez disse Kraepelin...

  • Foto do escritor: André Luis Mazzoli
    André Luis Mazzoli
  • 18 de jul. de 2020
  • 3 min de leitura

Uma coisa que me deixa em estado de cólera é uma pessoa que vê meu diagnóstico de Bipolaridade e diz: Isso é falta de Deus! O quêêêê? Vai se alto copular! Sequer questiono a existência de Deus ou de seu amor incondicional a qualquer um. Dizer isso é o mesmo que questionar sua onipresença. Imagino que essas pessoas na época de Cristo, seriam sacerdotes do templo de Jerusalém que examinavam os leprosos para liberá-los a conviver em sociedade. Acredito que rezo e tenho fé tanto quanto essas pessoas.

Essa doença deixa-me em uma situação muito dependente. É como se não soubesse como eu seria no dia seguinte. Tenho dias em que levanto cedo e me sinto muito ativo. Meu dia precisa de mais horas pra poder fazer tudo o que me programo. E quando não consigo fazer o que o idealizo, fico frustrado. Por vezes, até tenho pensamentos acelerados que se atropelam. Tento fazer diversas coisas ao mesmo tempo. E quando cometo este erro, algumas dessas coisas não ficam bem feitas. Pois não há concentração e dedicação para cada uma delas em seu tempo. Estou em atividade de alguma coisa pensando em outra.

Assim, também, como há dias em que me levanto arrastado, não tenho vontade de comer, de qualquer hábito higiênico, constante vontade de chorar, mesmo sem qualquer motivo. Estes são aqueles dias que evito me entreter com um filme, uma série, um livro ou um HQ. Pois tenho dificuldade de me concentrar. É como ler a página de um livro e quando a termino, não me recordo de que se tratava. São dias em que não posso tomar decisões significativas. Visto que meu arbítrio é bastante influenciado pela minha comoção. E o que dizer sobre diálogos? O corpo está presente, mas a mente está em outro lugar. Por fim, não posso pensar em fazer nenhum tipo de aquisição. Posso entrar no mercado livre pra comprar um chaveiro da Harley Davidson e terminar comprando a própria moto.

Lembro-me de quando eu era pequeno, comprava cruzadinhas da Coquetel. Gostava do nível médio, porque não era capaz de responder o nível Kasparov. E ao mesmo tempo, achava o nível fácil um grau berçário. Por experiência própria, a primeira coisa que eu fazia era arrancar as páginas das respostas pra não me sentir tentado a olhar. Por vezes não conseguia responder muita coisa; por outras eu conseguia fechar. Também adorava jogos de raciocínio como sudoku e tangram. Mas com o tempo, parece que minha memória não consegue mais absorver e reter informações, tampouco usá-las. Queria poder me manifestar de outra forma, ou não, mas, em poucas palavras, com o tempo tenho me tornado mais burro. Já não basta eu não saber mais matutar os jogos de lógica, e agora sequer consigo dialogar sem falar alguma sandice? Fico cada vez mais introspectivo, me revogando e me tornando dependente e ranzinza.

Ao longo de toda minha vida o desejo por inexistir é presente. Por muito tempo acreditei ser meu mecanismo de defesa ou conforto para justificar quem eu era, pelo que eu passava, e provavelmente o quem eu iria ser. Com o passar dos anos, fui descobrindo que era unicamente o hábito entorpecente de ter piedade de mim mesmo. Deixei de rir da vida, principalmente de mim. Adotei posturas melodramáticas e extremistas sobre tudo, ao ponto de desejar que tragédias, desgraças e doenças me acometessem. Ou fazer perguntas do tipo: Qual a probabilidade de um meteoro cair sobre minha cama enquanto eu estivesse dormindo? Fui fazendo equações de todas essas características e tirei do subconsciente um sentimento melancólico de culpa e de não ser merecedor de qualquer tipo de afeto.

Passei a ter a impressão de uma vida desmedida de orgulho por quem eu era ou do que eu representava para as outras pessoas. E nisso, os desejos pela morte deixaram de serem apenas projeções e passaram a serem possibilidades. Cheguei a tomar 12 comprimidos de cloridrato de sertralina na intenção da minha pressão baixar ao ponto dos meus batimentos cardíacos se anularem. Consequência? Dormi como nunca. A torcida do Boca Juniors teria passado despercebida pelo meu quarto naquela noite.

Certa vez minha mãe me ligou no meu trabalho dizendo que precisava me enviar uma foto. Era uma carta de suicídio. Detalhe: Escrita por mim. Nunca soube quando escrevi essa carta. Mas era evidente que era minha. Pois a caligrafia era minha. Minha ex-esposa havia encontrando-a e enviado a minha mãe. Por muitíssimo pouco fui internado.

Minha visão sobre como era enxergada a bipolaridade se intensificou. Passei a ler mais artigos, acessar mais sites, assistir incontáveis vídeos. Até que psiquiatras e psicólogos alertaram que não deveria continuar pesquisando. Cheguei o ponto de acreditar que além da bipolaridade, havia sido acometido também pela Síndrome de Burnout. Estou cada vez mais ciente sobre minha doença e como ela pode ser destrutiva se não tratada. Tanto que acatando alicerces como fé, exercícios, terapia, medicação e alimentação, podemos levar uma vida normal.

 
 
 

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