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“A vida é um rasgar-se e remendar-se”

  • Foto do escritor: André Luis Mazzoli
    André Luis Mazzoli
  • 24 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Aprendi com uma pessoa que conheci hoje que, diferente da satisfação, o prazer é algo que transcende qualquer coisa. E há muitas coisas que proporcionam isso, tal como um chuveiro quente depois de um banho de chuva, ou os Croissant da padaria que meu amigo Luis Guilherme trabalha (fica a dica cara), dormir depois de um dia muito cansativo (se tiver chuva melhor), ou, espontaneamente, fazer cocô quando a bodega já está com todo seu ímpeto e furor na portinha. Entretanto, uma coisa que me confere muito prazer são meus filmes e minhas séries. Mas, nem sempre estou hábil a assistir qualquer gênero. Há alguns dias, me foram indicadas duas séries, ambas da HBO, que são “Chernobyl” e “Band of Brothers”. Ambas são simplesmente incríveis. Porém, por serem séries baseadas em fatos, precisam de uma bagagem psicológica muito apta para arcar com tamanhas atrocidades e fatalidades. Então, escolho dias bem jubilosos para arriscar mais um episódio sem gerar um gatilho.

Contudo, para possíveis Shou Ryu Kens dados na minha fuça através de gatilhos provenientes de séries e filmes consternados, sempre carrego uma carta na manga. Essa carta se chama “Friends”. Já assisti essa série pelo menos três vezes. E ainda hoje, quando a revejo, acho hilariante. Mesmo sendo uma série inaugurada há mais de duas décadas, ela aborda temas muito contemporâneos. E isso me tira das catacumbas de Nosferatu para uma realidade menos jururu. Rachel, Ross, Monica, Chandler, Joey e Phoebe estavam em todas as dez temporadas e mostravam ser gente como a gente e ter problemas como todos nós. Contudo, com todo seu jeitinho burlesco.

Ainda hoje, estava buscando algo diferente para assistir, e me deparei na Amazon com o filme “Cake – Uma razão para viver”. Confesso que, diferente ao meu costume, escolhi o filme pelo pôster. Pois lá estava Jennifer Aniston, diferente de tudo que eu já havia visto na sitcom. Neste filme, Aniston, nitidamente, abandonou a singela Rachel Green e a zona de conforto concedida pela comédia, e abraçou a amargurada, crua e sem maneirismo, Claire Bennett. Uma atuação tão primorosa que lhe rendeu algumas indicações importantes. E assim, pra mostrar que não é apenas um rostinho bonito. Aliás, obrigado Hollywood por dar cicatrizes e deformidades a mulheres tão lindas como Jennifer Anisten, Salma Heyek, Charlize Theron e Naomi Grossman.

Não posso dizer que não me senti um pouco incomodado com alguns clichezinhos dos típicos filmes de drama. Mas nada que o, pouco experiente, diretor Daniel Barnz não soube contornar.

No filme, após um grave acidente, trazendo uma enorme perda, a advogada Claire se torna uma mulher cheia de mágoas, irônica, sarcástica, ranzinza, cruel e depressiva (ufa!). É rejeitada pelo marido, Jason Benett (Chris Messina), para viver numa imensa casa sozinha, e obrigada a frequentar um grupo de apoio a comoções. Mas, quando, novamente, a morte se faz presente em sua vida, ela se vê na dubiedade de render-se ainda mais ao luto e aos efeitos colaterais dos analgésicos e antidepressivos, ou afrontar as chagas, tanto físicas como da alma.

O roteirista Patrick Tobin soube ditar a hora certa para dar ênfase ao calvário, às cicatrizes, à solidão, as dores, sem precisar se prender demais ao “por quê?” e realçando o “como?”. E quando a estória já estava emancipada, as perguntas se respondiam sem precisar questioná-las. E isso é esplêndido.

É um filme muito bem amarrado, abordando temas como depressão, suicídio, maternidade, dependência, fé, diferença social, preconceito, sem que um tema tão visceral comprometa o outro. “Cake” (do inglês “bolo”) traz um filme com várias camadas e sabores que, se não bem apreciado, e tentando não apressar aquilo que é necessário ser latente, pode ser bastante indigesto. É preciso contemplar este ritmo arrastado, assim como Tobin respeita nossa inteligência ao não precisar explicar-nos tudo tim tim por tim tim. É um drama, seco, teso e introspectivo. E para você que quer dar uma chance a esse filme by “sessão da tarde”, entone bem as mensagens que poderiam facilmente passar-se por detalhes. Pois, do contrário, se você vê-lo apenas como um filme de uma mulher com suas dores e desventuras, que não consegue salvar sua vida, de que modo pode usá-lo para salvar a sua?

Nota do famigerado: 6,7

 
 
 

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