A primeira regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta. ...
- André Luis Mazzoli
- 12 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Eu sempre gostei de me sentir, divertidamente, instigado a raciocinar para chegar a um remate. Desde um livro como Agatha Christie fez comigo em “O assassinato no Expresso Oriente”, ou Dan Brown em “O código Da Vinci”; como Resident Evil me atirava seus enigmas para poder dar continuidade ao jogo; ou simplesmente como o cinema, suntuosamente, sempre fez. Eu e a matemática nunca nos bicamos. Preferia deliciar-me com um vasto prato de pequi com jiló e dobradinha ao invés de fazer um cálculo de logaritmo. Contudo, aprendi a deleitar uma aprazível operação de análise combinatória. Sentia-me desafiado com problemas que me pareciam bem pé no chão.
Mas vamos voltar ao cinema. Em 1997 fui apresentado aos trabalhos do diretor David Fincher. Mais exatamente ao filme “Vidas em Jogo” (The game) com Michael Douglas. Esse é aquele tipo de filme indicado por um amigo, que você não recusa porque sabe que algum dia também indicará algo que quer eu ele assista. Dependendo da qualidade do que foi visto primeiro, ou você indica por retribuição ou por vingança. Pela capa do filme eu já sabia que não queria ver porque um amontoado de excremento compacto em 128 minutos. O que eu posso dizer é: Como é celestial o sentimento de assistir um filme com uma expectativa abaixo da descontinuidade de Gutemberg (você que não matou aulas de geografia pra brincar de “cai no poço” certamente entendeu a referência). O filme é maravilhoso! Te prende do começo ao fim e te alicia a supostas tramas que se passam dentro da sua cabeça. Enquanto eu assistia o filme, conseguia formular diversos finais. Uns melhores que os outros. Mas o que Fincher me deu, é melhor que qualquer desfecho que eu tivesse presumido. Minha paixão por filme de suspense, em parte, se devem a este filme.
Depois desse, ainda vieram vários outros, sempre aptos a me deixar boquiaberto. Tais como “Zodíaco”, “Os homens que não amavam as mulheres” e “Garota exemplar”. Mas, hoje, quero falar sobre um filme de 1999, baseado num romance de Chuck Palahniuk intitulado “Clube da Luta” (Fight Club).
Neste filme Edward Norton (denominado narrador. Mas somente no segundo livro revelado que seu nome é Sebastian ) é um homem inerte e até então, sem personalidade, que sofre de insônia e consumismo desenfreado. É frustrado com sua vida banal de classe média na também banal sociedade americana. Nisso, pra fugir dessa vida trivial, funda um clube de porrada dedicado a homens da classe operaria, que também se viam na necessidade de alforriar seus impulsos violentos, e que, finalmente lhe concede a tão desejada emancipação emocional, de não mais depender do que ele mesmo e a sociedade lhe cobravam.
É difícil falar de “Clube da luta” sem dar spoilers. Todavia, por ser um filme de 1999, posso deduzir que você leitor já assistiu, não é? Do contrário, pare imediatamente está leitura, e vá assistir, e depois nos falamos.
Se você continuou, posso concluir que já assistiu ao filme. E nisso, dando continuidade, vamos lembrar da pesquisa de um austríaco chamado Sigmund Freud, onde ele fragmenta na teoria da personalidade a psique humana em Id, Ego e Superego. O id são nossos impulsos primitivos, nossas energias psíquicas, orientado, sem limites, e unicamente por conceder-se o prazer orgânico e a satisfação. Como ele é o componente congênito dos indivíduos, os demais componentes desenvolvem-se a partir dele. Já o Ego é nossa súplica psíquica orientado pela base da realidade e assim dar rédeas ao Id, intermediando pontes do que é acurado entre ele e o Superego. É por intermédio do Ego que o indivíduo consegue manter-se são. Por sua vez, o Superego é a internalização do descomedimento na interpretação da realidade censurando, culpando, punindo e temendo a partir da moral, da ética e da compreensão dos internos anjos bom e mal que existe dentro de cada um de nós.
Neste filme, o narrador, que obviamente é o Ego, cobra-se tanto de um comportamento incorruptível, honesto e íntegro que abdica da necessidade de seu Id. E assim, insurge de forma independente Tyler Durden (interpretado por Brad Pitt). Imprevisível, insubordinado, indômito, sem temores ou qualquer filtro de consequência. É fenomenal a decisão de Fincher em manter tons cianos que remetem a frieza, até o surgimento de Durden, que traz um amarelo, vermelho e laranja, que carrega a luxúria e a agressividade.
Durden chega à trama como um revolucionário com pensamentos de motim à sociedade. E joga na nossa cara frases como: “As coisas que você possui acabam possuindo você”, “Primeiro você tem que se entregar, primeiro você tem que saber não temer, saber que um dia você vai morrer”, “Por que será que vivemos trabalhando para produzir o que não consumimos e, em troca disso, consumimos o que não nos é útil e temos o que não utilizamos, e, por fim, nunca estamos satisfeitos?” (essa é a minha favorita). É como se o Id estivesse aproveitando a ausência do Ego para dar lições de moral para o Superego. E libertando-o de si mesmo. Qual a consequência disso? Imagine se tivéssemos dois Ids dentro de nossa cabeça. Seria destrutivo.
Na primeira vez que assistimos, dificilmente percebemos David Fincher dando-nos spoilers de que o narrador e Tyler são a mesma pessoa. Na verdade, antes de sua aparição, Tyler aparece em cinco frames muito rápidos, dando a entender que a psique do narrador já não está mais genuína. Posso admitir que não peguei os cinco frames. Mas no que peguei questionei também meu estado de sanidade.
“Clube da luta marcou minha adolescência. David Fincher deu-me um filme critico, dinâmico, sarcástico, engraçado, reflexivo, com ótimas rupturas da quarta parede, e posso dizer até mesmo incômodo. Mostra como pode ser agressiva uma mente sem objetivos ou que se alto interpreta através do que tem.
Nota do Famigerado: 9.8
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