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- André Luis Mazzoli
- 18 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
“Mas quando eu vejo um broto e digo "agora é pra valer"
Eu ouço os meus dentes batendo e os meus joelhos a tremer
Eu falo mil bobagens, eu não sei o que dizer
Mas mando a minha brasa e vou fingindo não saber
Que eu queimo o meu filme, eu enfio o pé na lama
Eu sujo o meu nome e ainda pioro a minha fama
De conquistador barato
Bam-bam-bam-bom-bom, bambolê”
(Leo Jaime)
Quando eu era criança, estive tão compenetrado em coisas que hoje não entendo porque eu dispendia tanto tempo, que quando a paixão chegou, eu não sabia o que fazer com tudo aquilo.
Eu tinha dez anos, e o nome dela era Silvana. Como os lugres no primário do colégio eram demarcados, me sentei ao lado dela durante um ano inteiro. Lindíssima como Galadriel (Não entendeu? Assistam “O Senhor do anéis – A sociedade do anel”). Ficava me perguntando: Será que se me desviasse atenção da carta de Pero Vaz de Caminha para admirá-la teria alguma influência futuramente? Sempre pensei em dizer algo a ela. Mas toda vez que proclamava, mentalmente, meu amor em poesia, soltava algo do tipo: Se o pato perder a pata, ele fica viúvo ou manco? Acabei que fui embora pra Brasília com o coração preso no esôfago.
Depois disso, por mais que eu fosse uma pessoa sentimentalmente introvertida, me apaixonei infindáveis vezes. E queria ter tido culhão pra chegar a todas elas. Mas, toda a teoria que eu tinha, estavam nos filmes. E eu não poderia chegar nelas dizendo: Você precisa muito ser beijada. E esse é o seu problema. Você precisa ser beijada com frequência e por alguém que saiba beijar. (E o vento levou...) péssima ideia.
Eu não me sentia mal por achar que meus amigos estavam ficando com garotas, e eu não. Na presença deles, era como se estivéssemos no convés do Holandês voador. Éramos tão hediondos que o bicho papão contava histórias sobre nós para seus filhos. Porém, ficava, no mínimo, chateado por ver que o restante da escola pegava geral. Sabe quando o Jason matava todo mundo que fazia sexo na saga “Sexta-feira 13”? Pois é, nós iríamos viver.
Até que um dia, um colega contribuiu-me com o dom de sua sabedoria by Alex Hitch: O “não” você já tem! Tá, não foi original. Mas suficiente. E foi com essa sapiência tibetana que sempre voltei com um “não²” (façam os cálculos). Contudo, estava decidido a mudar. E aquele foi apenas o primeiro de muitos tocos que tomei.
Já ouvi coisas do tipo: “Ainda não me sinto pronta pra ficar com ninguém, não é você. Sou eu!”, “Tive um sonho estranho, em que Moisés me disse que não deveríamos ficar juntos!” (porra Moisés), “Minha amiga acabou de terminar com o namorado. Preciso dar uma força a ela!”, “As vozes na minha cabeça dizem que não é uma boa ideia!” (mas as vozes na minha disseram que sim. Quem devemos atender?). Já levei fora até por ser são-paulino. Entretanto, estou bem habituado às diversas nuanças do típico “não estou afim!”. Na lata.
Certa vez, a turma de handebol me disse que havia uma garota na escola que gostava muito de mim, mas sentia vergonha de se declarar. Eu teria que descobrir quem era. Concordei participar de um jogo onde se eu pontasse para a garota, e realmente fosse ela, eles me diriam. Passei semanas apontando o dedo na cara das meninas mais bonitas da escola. Passei a ser mais condescendente com o critério “beleza”, e passei a perguntar pelas garotas que, aparentemente, passavam pelo mesmo problema que eu. Demorou muito tempo até eu perceber que estavam debochando de mim.
Em 2011, um ex-aluno entrou em uma escola em Realengo, portando uma pistola calibre 38, e tirou a vida de onze alunos e deixando mais treze feridos. É óbvio que não justifico a atitude dessa pessoa como correta. Sofri muito bullying por muito tempo, e em hipótese qualquer tiraria a vida de meus algozes e sequer de terceiros. Mas, somente quem sofre as perseguições da massa da escola, sabe o que é querer ir pra casa, fugir deste impulso violento de prejudicar e submeter, e nunca mais voltar. Sei que é um desafio para os gestores e professores estarem atentos e presentes a este contexto. Mas esperava algo mais que menosprezar o meu sentimento com algo do tipo “é coisa de adolescente!”.
Acredito que, com o passar dos anos, todo esse transtorno, essa carnificina psicológica causada pelo bullying, trouxe impactos a minha base psíquica, tornou-me mais agressivo às criticas, com dificuldade de concentração, mais estressado, inseguro, de baixíssima autoestima, e questionando minhas capacidades. A terapia tem me auxiliado bastante a reparar esse sentimento de culpa e anseio por reparação.
PS. Meu primeiro beijo foi roubado.
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